Novamente, a comunidade tibiana viu-se diante de um bug, que, dessa vez, ocasionou a possibilidade de regeneração total e instantânea da stamina. O aparecimento de bugs cumpre sempre uma importante função de desvelamento. Em tecnologia, o termo bug é utilizado como referência a erros em sistemas e aparelhos eletrônicos e, nesse sentido, podemos dizer que um bug constitui uma falha da ordem do software.
Como já ressaltei em publicações anteriores, o Tibia não pode ser encarado pura e simplesmente como produção unilateral dos funcionários da CipSoft. Nem tampouco como produção bilateral, porque não existem apenas dois lados. Não estou negando a suposta existência de uma dimensão CipSoft (eles) e jogadores (nós). O fato é que não existe um “eles” nem tampouco um “nós” homogêneos. O “eles” e o “nós” são constituídos por inúmeros e incontáveis “eus”. Dizer que a produção se localiza na dicotomia “nós” e “eles” significa fixar identidades universais para o “nós” e para o “eles” e negar os “eus”.
É nesse sentido que tenho afirmado o Tibia como produção coletiva, construído por cada indivíduo (ou seja, pelos “eus”) imerso neste universo. Tibia é, portanto, um quefazer fluido, coletivo e incerto, subjetivo e intersubjetivo. Isso implica afirmar cada um de nós, cada jogador, como responsáveis absolutos pelo “ser” do Tibia. Este “ser” também não é fixo, está em constante movimento, não é, como diriam, uma essência.
Assim sendo, cada um de nós é sujeito ativo de um processo de infindável construção coletiva do “ser” do Tibia e, imersos neste jogo, também nos (re) construímos a nós mesmos, o tempo inteiro e concomitantemente. Nessa perspectiva, a ocorrência de falhas, ou, melhor dizendo, de bugs, tem muito a nos dizer sobre o Tibia e também sobre nós mesmos.
O que fazer diante de um bug? O leitor deve concordar comigo que o melhor a se fazer é, de pronto, reportar a falha à CipSoft, contribuindo, dessa forma, para o aperfeiçoamento técnico do jogo. Todavia, ainda existe uma cultura da trapaça que assola o território tibiano.
Tão logo descoberta, muitos jogadores se aproveitaram e abusaram da falha envolvendo regeneração de stamina em benefício próprio. E, muito provavelmente, são os mesmos jogadores que tanto criticam a CipSoft “pelas suas falhas inaceitáveis”, “pelo lag impetuoso” e até “pela implementação do BattlEye”. Criticam tudo, absolutamente tudo. Nada jamais está a altura. Se, contudo, uma falha lhes permite lograr alguma vantagem indevida, aproveitam com deleite. E provavelmente, se lerem este artigo, vão me acusar de puxar o saco da CipSoft.
Afinal, o problema sempre reside no “eles”, por vezes no “nós” (desde que não me inclua), jamais no “eu”.